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Sêneca
Da Tranquilidade da Alma

Ilustrações de Hans Hosse

Abstração 33X

Técnica: Poética digital
Autor: Hans Hosse
Criação e produção: 2016

SERENO A SÊNECA

I-

1. Observando-me atentamente, descobri em mim, ó Sêneca, certos defeitos tão visíveis que eu os poderia tocar com o dedo; outros que se dissimulam nas regiões mais profundas; outros, enfim, que não são contínuos, mas que reaparecem somente em intervalos. Eu não hesito em dizer que estes últimos são os mais desagradáveis de todos. Eles lembram aqueles inimigos que nos
rodeiam para nos assaltar no momento propício e com os quais não se sabe nunca se se deve estar em pé de guerra, ou se se pode contar em um período de paz.

2. No entanto, a disposição na qual eu me surpreendo o mais frequentemente (pois, por que não me confessarei a ti, como a um médico?) é de não estar nem francamente liberto de minhas crenças e repugnâncias de outrora, nem novamente sob seu domínio. Se o estado no qual estou não é o pior que possa existir, é, em todo caso, o mais lamentável e o mais bizarro: não estou nem doente nem são.

   

Abstração 07X

Técnica: Poética digital
Autor: Hans Hosse
Criação e produção: 2016

3. Não me digas que todas as virtudes são fracas nos seus inícios e com o tempo elas tomam consistência e força. Também não ignoro que todos os benefícios que visam ao exterior, como o brilho de uma dignidade, a glória da eloquência e todos aqueles que dependem do favor público, tem necessidade de duração para crescerem: as virtudes precisam de tempo para amadurecer, e as qualidades que nos permitem seduzir graças a um simples verniz esperam que o decorrer dos anos lhe acentue gradualmente as cores. Mas temo que o hábito que fortalece todas as coisas possa consolidar em mim esta fraqueza: tanto no mal como no bem, um contato prolongado nos faz tomar o gosto.

4. Em que consiste esta enfermidade de uma alma irresoluta, que não se inclina deliberadamente nem à virtude nem ao vício? Eu não saberei dizê-lo numa palavra, mas posso explicá-lo pormenorizadamente.


Indicar-te-ei o que sinto: tu achará
s o nome da doença.

 



Abstração 13X

Técnica: Poética digital
Autor: Hans Hosse
Criação e produção: 2016

5. Tenho um profundo amor à simplicidade, e o confesso:
o que amo não é nenhum leito faustosamente preparado, não são de modo algum roupas que se tiram do fundo do baú, que se torturam debaixo de pesos e de inúmeros parafusos, para obrigá-las a ficarem com lustro, mas um costume simples e grosseiro que se conserva sem cuidado e que se usa sem escrúpulo.

6. O que eu amo não é uma alimentação que muitos escravos preparam e olhem comer, que se encomenda não sei quantos dias antes e que é apresentada por não sei quantos braços: são pratos fáceis de achar e preparar, que não têm nada de requintado, nem de raro; relativamente aos quais se tem certeza de que não faltarão em nenhuma parte, que não pesam nem à bolsa nem ao estômago e que não tornam a sair de nenhum modo por onde eles entraram.

7. O que eu amo é um servo simplesmente vestido, um pequeno escravo desajeitado, é a maciça baixela de meu pai, homem rústico, cuja argentaria não trazia nem gravações, nem mesmo o nome do artífice; é uma mesa que não deslumbra pelas suas cores marmóreas e que não seja conhecida de toda cidade por ter pertencido sucessivamente a toda série de amadores, mas que seja de uso cômodo e diante da qual não se vejam os olhos dos convivas nem se arregalarem de prazer nem de ciúmes.


 

Abstração 45X

Técnica: Poética digital
Autor: Hans Hosse
Criação e produção: 2016

8. E, quando estou bem acostumado a essa maneira de viver, eis que me deixo fascinar pela pompa de algum pedagogo pelo espetáculo de escravos mais cuidadosamente vestidos e guarnecidos de ouro que para um desfile público, e de um batalhão de criados resplandecentes. Igualmente me fascina uma casa onde tudo, até o solo que se pisa, é precioso, onde a riqueza é tão pródiga nos menores recantos, que mesmo os tetos reluzem, e onde uma multidão de cortesãos se oprime ao redor das fortunas que se desperdiçam. E que dizer daquelas águas límpidas e transparentes, que correm ao redor das salas de festa; e das próprias festas dignas de sua decoração?

9. Posso dizer que o luxo, ao sair de uma longa e ingrata temperança, me envolve de repente com seu brilho e me rodeia com seu tumulto, e sinto meus olhares vacilarem: eu o suporto menos facilmente à vista do que no pensamento; e retorno de lá não corrompido mas desencorajado: não mais sustento a cabeça alta no meio de meus pobres móveis, sinto pungir-me uma dor secreta e me ponho a duvidar sobre se todas aquelas suntuosidades não valem que as prefiramos. Nada há em tudo isto que mude meus sentimentos, mas não deixa de haver algo suscetível de abalá-los.

10. Resolvi seguir a varonil energia de nossos preceitos e introduzir-me na vida pública. Agradam-me as dignidades e os fasces: não certamente que a púrpura ou as varas do magistrado me seduzam, mas para estar na possibilidade de melhor servir meus amigos e meus próximos e todos os meus concidadãos e finalmente a humanidade inteira: com um ardor de noviço, inclino-me a seguir Zenão, Crisipo e Cleanto, nenhum dos quais, para falar a verdade, tomou parte nos negócios públicos, mas dos quais muitos se tornaram discípulos.


Texto extraido da coleção "Os Pensadores" - Volume V - edição 1973 - Abril Cultural SA - páginas 204 e subsequentes"

Também disponível em: http://www.filosofia.com.br

 
 
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